sua própria castidade, de Salvador Dalí, 1954.
Não precisava daquele corpo. Nunca precisou. Aliás, ele só havia lhe
trazido problemas. Para que tantas curvas? Atraía sem saber. Primeiro foi o pai
que lhe observava pelo buraco da fechadura durante o banho e, de noite, fazia
sempre questão de lhe por para dormir. O beijo de boa noite nunca vinha
sozinho. Depois, quando trabalhou em casa de família, foi a vez do marido da
patroa. Dava sempre um jeitinho de chegar em casa um pouco mais cedo, dizia
coisas e a comia com os olhos. Quando chovia, oferecia-se para levá-la em casa
de carro. Ela precisava do emprego, o pai, doente, não podia mais trabalhar. Contudo
seus pensamentos eram o oposto de seu corpo, neles não havia curvas. De quem a
culpa? Da natureza? De Deus? Queria ser virtuosa, mas suas virtudes se
desfaleciam em suas carnes. Não adiantava vestir roupas largas, qualquer
vestimenta lhe destacava as formas. Entregou os pontos. Perdeu para sua própria
carne, porque a carne predomina, a carne não é fraca, a carne é forte.